Segundo Sheril Kirshenbaum, o primeiro beijo envia sinais que evoluíram por milhares de anos ao nosso cérebro, interferindo na decisão de investir ou não em um relacionamento. Fatores biológicos entram no caminho entre um namoro virtual que vai bem e o primeiro encontro ao vivo
Globo
Uma relação que dá “liga” on-line nem sempre sobrevive depois do esperado primeiro encontro ao vivo. Muitos sabem disso – até por experiência própria. Em tempos nos quais o virtual já se confunde com o real, aquela “coisa de pele” parece ainda fazer diferença. Por quê? A ciência investiga.
A pesquisadora da Universidade Estadual do Michigan, nos EUA, Sheril Kirshenbaum, procura há uma década entender quais são as chances de uma paixão iniciada na internet entre dois desconhecidos vingar depois do momento cara a cara.
“A compatibilidade entre duas pessoas requer envolvimento de todos os nossos sentidos”, e não apenas do estímulo visual, como costuma acontecer na internet, explica Kirshenbaum ao G1.
Foi mais ou menos o que ocorreu com a professora de artes Leila (ela prefere não dar o sobrenome), do Rio de Janeiro. O que muda no caso de Leila é que ela preferiu se resguardar da possibilidade de decepção.
Em 2008, a carioca aprendia inglês e começou a conversar pela internet com pessoas de outros países para praticar. Foi assim que ela conheceu o programador egípcio Salim (nome fictício).
“Tínhamos encontros quase diários via Skype. Nos conhecemos em janeiro de 2008 e em março já estávamos namorando firme pela internet”, conta a brasileira.
Depois de um tempo, “eu tinha toda a família dele no Facebook, ligava para conversar com eles e o Marcos conversava com a minha”, lembra a professora de artes.
Após um ano e meio de namoro virtual, Salim começou a planejar um movimento decisivo: mudar para o Brasil.
Leila, contudo, “por medo de não ter química” quando se vissem e “por ainda estar na faculdade”, diz, colocou um ponto final no namoro do mesmo modo como havia começado – pela internet.
“Ele se mudaria para o Brasil somente por minha causa. E se a paixão acabasse quando nos víssemos pessoalmente?”, questiona a carioca.
O teste do primeiro beijo
Encontrar um amor não é uma tarefa fácil porque, segundo a pesquisadora Kirshenbaum, envolve “anatomia, endocrinologia e química real”.
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“Muitos sinais biológicos, dos quais não temos consciência e que evoluíram por milhares de anos, entram em cena quando conhecemos alguém pessoalmente, que vão do aroma natural ao ‘sabor’ do outro”, descreve a cientista americana.
O beijo do Príncipe Harry e Meghan Markle após casamento na capela de São Jorge.
Ben Birchall/Pool via Reuters
Imagine a situação: você se interessa por uma pessoa que conheceu há pouco tempo. Ela é bonita e parece ser agradável e inteligente. Você a chama para sair e acontece, enfim, o que você tanto desejava: o beijo. Na volta para casa, no entanto, você sente que “algo não deu clique”. Parece uma história familiar?
Isso acontece porque “o beijo entre duas pessoas atua como um teste decisivo da natureza”, explica Kirshenbaum, que escreveu um livro dedicado ao tema, “The science of kissing” (“A ciência do beijo”).
A pesquisadora afirma que a química do big bang do amor envolve contato visual, paladar, olfato, tato e até audição. O cérebro recolhe informações muito importantes durante o beijo, que podem influenciar a decisão de investir em um relacionamento com aquele parceiro ou não.
Quando passamos no “teste do beijo”, Kirshenbaum explica que liberamos o hormônio ocitocina, “que promove a ligação e o apego ao outro”, além da dopamina, um neurotransmissor associado ao desejo e à recompensa. “Isso explica por que um beijo com alguém novo pode ser tão especial e excitante”, diz.
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Coisa de pele, coisa de cheiro. O olfato também desempenha um grande protagonismo nessa história.
“Estudos comprovaram que mulheres tendem a preferir sexualmente os aromas exalados por homens com um código genético para imunidade diferente do seu, pois uma criança gerada por eles se beneficiaria de um sistema imunológico mais robusto”, exemplifica a americana.
Não é só essa tal química, claro!
Kirshenbaum ressalta que um relacionamento não é consequência somente da combinação de fatores biológicos entre duas pessoas. Trata-se de uma conta complexa de ser entendida, até para a ciência, porque envolve “de fatores culturais a razões particulares”, diz a cientista.
A carioca Leila, por sinal, decidiu retomar o contato com Salim dez anos após terminar o namoro virtual.
Com o início da pandemia do novo coronavírus, ela recebeu uma ligação inesperada do egípcio querendo notícias da ex-namorada. “Estamos conversando de novo”, conta Leila, mas, dessa vez, sem estabelecer um compromisso.
Para deixar as coisas mais leves e dar uma nova chance ao destino – ou à biologia -, o casal decidiu se encontrar pela primeira vez quando a pandemia passar.
“Passaremos cinco dias em Lisboa, Portugal. Escolhemos esse lugar porque é o meio do caminho para os dois”, diz a professora.
Enquanto a pandemia não acaba, Kirshenbaum aconselha os dois a aproveitarem os níveis da dopamina que pode estar sendo produzida com a retomada do romance on-line.
“Graças à dopamina produzida nessa fase de planejar o primeiro encontro, ele poderá ser ainda mais agradável quando finalmente acontecer”, diz a pesquisadora.
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