‘Vírus escancarou a precarização das relações do trabalho e seus efeitos nefastos ao trabalhador’, diz procurador do MPT


Para Antônio Pereira Nascimento Júnior, situação é uma realidade que já vinha sendo advertida por estudiosos. Antônio Pereira do Nascimento Júnior, procurador do MPT em Presidente Prudente
Divulgação/MPT
A pandemia do novo coronavírus mudou a rotina de trabalhadores no mundo todo. Para o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Presidente Prudente, Antônio Pereira Nascimento Júnior, a disseminação do Sars-Cov-2 escancarou uma realidade que já vinha sendo advertida por estudiosos do Direito do Trabalho.
Conflitos trabalhistas movimentam MPT e Justiça em Presidente Prudente durante a pandemia do novo coronavírus
“Se, de um lado, a pandemia tem exigido a reinvenção de soluções para o desempenho das atividades produtivas num cenário de afastamento social, sobretudo pelo uso intensificado de instrumentos de tecnologia e do home office, o que pode acabar sendo uma realidade mais forte no futuro, o vírus escancarou uma realidade que já vinha sendo advertida pelos estudiosos do Direito do Trabalho: a precarização das relações do trabalho e seus efeitos nefastos ao trabalhador”, declarou Nascimento Júnior.
Em entrevista ao G1, o procurador do MPT falou sobre os direitos trabalhistas que estão em risco nesse tempo de pandemia, como preservar os empregos durante a crise e quais as perspectivas para o cenário trabalhista em Presidente Prudente em um pós-pandemia.
Confira abaixo a entrevista completa:
Quais os direitos trabalhistas que estão sob risco neste período de pandemia do novo coronavírus?
A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) tem impactado diretamente o cenário das relações de trabalho, trazendo à tona, num primeiro aspecto, a necessidade de preservação do direito à saúde (e, propriamente, do direito à vida) do trabalhador.
A Constituição Federal estabelece que todo trabalhador tem direito a um trabalho seguro, em que sejam eliminados ou minimizados os riscos decorrentes da prestação de serviço, o que implica dizer, no momento atual, que o trabalho humano não pode ser desempenhado sem a garantia de que estão sendo tomadas todas as medidas de proteção recomendadas pelas autoridades nacionais e internacionais de saúde contra a exposição indevida ao vírus (como o distanciamento mínimo, o fornecimento de máscaras, etc).
Do mesmo modo, a necessidade de adoção de medidas de isolamento social para enfrentamento à pandemia, com a determinação de suspensão de atividades econômicas não essenciais, tem trazido risco ao direito à manutenção dos empregos e ao direito à percepção de salários. Isso porque, com a economia paralisada, e, portanto, com a receita diminuída, as empresas têm tido dificuldade de manter ativos os contratos de trabalho, com o pagamento dos salários devidos aos funcionários.
“Apesar dos negativos efeitos econômicos que a pandemia tem causado, é preciso ter cautela e, antes de tudo, garantir que a vida do trabalhador seja preservada”
Heloise Hamada/G1
O que fazer para preservar a vida, os empregos e os direitos dos trabalhadores neste período de pandemia do novo coronavírus?
O momento é delicado e exige, antes de tudo, cautela. Não se pode esperar a retomada imediata do cenário econômico sem a garantia de que haverá preservação da vida humana. Desse modo, é imperioso que a atividade econômica, nesse período de pandemia, seja desenvolvida com a adoção de todas as medidas de proteção recomendadas pelas autoridades nacionais e internacionais de saúde contra a exposição indevida ao novo coronavírus.
Os empregadores têm, portanto, a obrigação constitucional de garantir o direito à saúde no ambiente de trabalho, fornecendo aos empregados máscaras de proteção, evitando a aglomeração indevida de funcionários em ambiente fechado ou sem ventilação, oferecendo espaço adequado para lavagem ou higienização das mãos, estabelecendo política de autocuidado para identificação de potenciais sintomas e garantindo o afastamento remunerado de empregados que tenham sido infectados pela Covid-19, dentre outros.
Vale lembrar que o STF [Supremo Tribunal Federal], em decisão de 29.04.2020, retirou a validade de dispositivo da Medida Provisória 927/2020 que indicava que os casos de contaminação pelo coronavírus (Covid-19) não seriam considerados ocupacionais, reforçando o dever empresarial de promover um ambiente de trabalho sadio.
Reconhecida a natureza de estado de calamidade pública, houve edição das Medidas Provisórias n. 927 e 936/2020 pelo Governo Federal, que autorizaram, em caráter excepcional, medidas trabalhistas que podem ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda. Delas se extrai a obrigação do empregador, para a preservação dos empregos, de priorizar medidas como teletrabalho, a antecipação de férias e concessão de férias coletivas, aproveitamento e a antecipação de feriados, utilização de banco de horas, dentre outros, sobretudo para os trabalhadores que estejam em grupo de risco.
Do mesmo modo, foi instituído o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que autoriza as medidas de redução proporcional de jornada de trabalho e de salários e de suspensão temporária do contrato de trabalho, pelo máximo de 90 e 60 dias, respectivamente, hipóteses em que o empregado recebe da União auxílio emergencial, como compensação financeira decorrente da redução ou suspensão de salários.
Como o senhor avalia o cenário trabalhista em Presidente Prudente durante o período da pandemia/quarentena?
Passados mais de dois meses do reconhecimento de estado de calamidade pública, tem-se observado, não apenas em Presidente Prudente, como nacionalmente, um cenário de incertezas nas relações de trabalho. Não se sabe ao certo até quando se estenderá a pandemia no País, e isso reflete diretamente no Direito do Trabalho. Apesar dos negativos efeitos econômicos que a pandemia tem causado, é preciso ter cautela e, antes de tudo, garantir que a vida do trabalhador seja preservada.
Quais análises o senhor faz dos conflitos registrados pelo MPT em Presidente Prudente durante a pandemia/quarentena?
O Ministério Público do Trabalho tem por função zelar pelos interesses difusos e coletivos dos trabalhadores, bem como pela ordem jurídico-trabalhista. Em Presidente Prudente, o MPT tem atuado, basicamente, em duas frentes. Numa primeira perspectiva, a instituição, junto à Justiça do Trabalho, tem efetivado reversão de valores decorrentes de multas e condenações em ações próprias para a sociedade, por meio da destinação a hospitais e instituições de saúde para que adquiram equipamentos necessários para implantar e reforçar leitos em unidades públicas de saúde para tratamento de pacientes com Covid-19, bem como para o fornecimento de equipamentos de proteção individual aos trabalhadores de saúde na linha de frente.
O MPT, ainda, reverteu destinação a faculdades da região para produção de álcool em gel e de máscaras face shields, também para que sejam disponibilizadas aos profissionais de saúde. Ao total, o MPT em Presidente Prudente já destinou mais de R$ 2 milhões.
Por outro lado, têm sido denunciadas ao MPT situações de potencial exposição indevida de trabalhadores, seja pelo funcionamento irregular de estabelecimentos nesse momento da pandemia, seja pelo não fornecimento de equipamentos de proteção.
Do mesmo modo, o MPT em Presidente Prudente tem recebido denúncias de utilização indevida dos instrumentos previstos nas Medidas Provisórias n. 927 e 936/2020 (que tratam da suspensão de contratos de trabalho e da redução de jornada). O MPT tem atuado, também, na mediação de conflitos coletivos de trabalho, buscando discutir junto às empresas e aos sindicatos profissionais soluções para aplicação correta da legislação nesse momento de pandemia.
Foram, ainda, abertos diversos procedimentos promocionais, que focam em atuações difusas mais amplas, ou seja, não apenas em uma empresa, mas em um segmento, por exemplo, e tem o objetivo de atuar mais preventivamente, como nas áreas da saúde, limpeza urbana, agropecuário, supermercados, transporte urbano, casas lotéricas e Municípios da região.
“O incentivo legislativo à figura do trabalho desprotegido (chamado de ‘moderno’) trouxe à tona, nesse momento de pandemia, a fragilidade da autonomia do trabalhador sem carteira assinada”
Heloise Hamada/G1
Quais as perspectivas para o cenário trabalhista em Presidente Prudente para o pós-pandemia?
Se, de um lado, a pandemia tem exigido a reinvenção de soluções para o desempenho das atividades produtivas num cenário de afastamento social, sobretudo pelo uso intensificado de instrumentos de tecnologia e do home office, o que pode acabar sendo uma realidade mais forte no futuro, o vírus escancarou uma realidade que já vinha sendo advertida pelos estudiosos do Direito do Trabalho: a precarização das relações do trabalho e seus efeitos nefastos ao trabalhador.
As últimas reformas promovidas pelo legislativo, a partir de 2017, permitiram, cada vez mais, um direito do trabalho desregulamentado, em que se ventila a falsa premissa de que empregado e empregador estão em condições de igualdade para negociar e podem estabelecer suas próprias normas para reger as relações de trabalho, dispensando a intervenção dos sindicatos. A crise econômica, que acompanha e também se seguirá à crise de saúde atualmente vivenciada, tem demonstrado que o trabalhador, sozinho, não está em condições de paridade para negociar com aquele que é responsável por pagar seu salário.
Assim ainda, o incentivo legislativo à figura do trabalho desprotegido (chamado de “moderno”) trouxe à tona, nesse momento de pandemia, a fragilidade da autonomia do trabalhador sem carteira assinada, que, num contexto de isolamento social, teve que ver seus rendimentos extremamente reduzidos, sem praticamente amparo do Estado.
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